A Justiça Federal determinou, nesta sexta-feira (26) que a Prefeitura de João Pessoa comprove, no prazo de 30 dias, o cumprimento do prazo legal para início do tratamento de pacientes diagnosticados com câncer. A Justiça atendeu o pedido do Ministério Público Federal e, conforme a Lei nº 12.732/2012, o primeiro tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS) deve ocorrer em até 60 dias.
Pela decisão, o município deve apresentar informações sobre o efetivo início do tratamento dos pacientes atendidos pelo Hospital Napoleão Laureano (HNL), indicando as respectivas datas de diagnóstico, comprovando assim o atendimento do prazo de 60 dias. Também está obrigado a apresentar à Justiça Federal lista de pacientes que ainda aguardam atendimento, com a data do respectivo diagnóstico e a data agendada para consulta com oncologista clínico – a partir da qual será possível o início de tratamento por quimioterapia ou radioterapia.
A Justiça Federal determinou ainda que a Prefeitura de João Pessoa terá de comprovar a aquisição direta de medicamentos e insumos para imediata regularização dos serviços do HNL, caso necessário para garantir atendimentos no prazo legal; já a União deverá ressarcir ao município os valores utilizados na compra dos fármacos.
A decisão judicial lembra que o MPF já havia ajuizado ação em 2019 para regularizar a situação e que em 2024 a situação apresenta-se “de forma agravada, diante da recalcitrância dos entes federativos no cumprimento das obrigações que lhes foram impostas naquele processo. É estarrecedor que o Ministério Público Federal precise, na via administrativa e, agora, na judicial, provocar os entes federativos para que cumpram seu munus legal (obrigação), no âmbito do SUS”, diz trecho do documento.
Em inspeção no HNL, realizada em conjunto com o Ministério Público Estadual, em fevereiro deste ano, constatou-se grave situação de abandono de pacientes, sem perspectiva de cumprimento do prazo legal máximo para início de seus tratamentos oncológicos. Desde 2020, em auditoria do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), determinada pela Justiça Federal a pedido do MPF, já havia sido detectada a omissão do Município de João Pessoa em controlar o fluxo de atendimentos oncológicos, cuja regulação era feita pelos próprios prestadores de serviços, entidades privadas contratadas.
Embora a Prefeitura de João Pessoa tenha informado ao MPF e à Justiça Federal que havia criado comissão, desde 2022, para implementar regulação mais efetiva e garantir o atendimento dos pacientes oncológicos no prazo máximo legal, não se soube de nenhum resultado concreto de alguma atuação desta comissão.
Apenas após recomendação do MPF e do MPPB, em 2024, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou que assumiria seu papel de regulador, mas, até o momento, não deu detalhes da estratégia adotada para tanto, nem apresentado informações sobre efetivo início de tratamento dos pacientes em espera.
Desarticulação
O MPF constatou que a implementação do sistema de regulação na área oncológica enfrenta uma séria desarticulação na Paraíba. Em reunião realizada em maio deste ano, a Secretaria de Estado de Saúde (SES/PB) informou dificuldades decorrentes do fato de que, apesar de o estado ser o coordenador da política oncológica, os recursos são repassados aos municípios, sendo alguns encarregados da regulação dos atendimentos.
No caso do Município de João Pessoa, a alegação é de que, além de não fornecer informações, o município não se dispôs a dialogar com o estado. O estado informou estar, inclusive, em busca de assumir parcialmente a regulação da rede de oncologia, afim de melhorar o atendimento dos pacientes.
Esse ponto não passou despercebido na decisão judicial: “O que mais chama a atenção é que, a despeito de não estar conseguindo se desincumbir de seu dever legal, aparentemente e, também de forma equivocada, o Município de João Pessoa não aceita ser coordenado pelo Estado da Paraíba, em sua atuação dentro do Sistema Único de Saúde, a despeito de caber ao Estado este papel”, diz trecho da decisão.
Outro entrave apontado é a falta de informações dos municípios acerca da demanda reprimida. De acordo com o estado da Paraíba, ao consultar os municípios sobre o quantitativo de pessoas na fila de espera para início do tratamento, não houve resposta, especialmente quanto à clientela do HNL.
O MPF chamou atenção para gravidade do fato de o Estado afirmar a possível existência de vagas no Hospital do Bem, de Patos (PB), para atender parte dos pacientes em fila de espera por tratamento oncológico, mas não poder atendê-los pela falta de informações e encaminhamentos que caberiam ao Município de João Pessoa.
O procurador da República responsável pelo caso, Guilherme Ferraz, ponderou que o trabalho em conjunto do Estado com o Município de João Pessoa mostra-se essencial para superar a conjuntura de grave desassistência suportada pelos pacientes com câncer no Estado. Alertou ainda ser inadmissível que os pacientes oncológicos fiquem esperando meses sem previsão de data para início de seu tratamento, enquanto o Município se recusa a se articular com o Estado, que se dispõe a auxiliar a agilizar atendimentos. Destacou enfim que a SES/PB não pode se omitir, como coordenação estadual, diante do referido quadro de falta de regulação efetiva da rede pelo município.
De acordo com a decisão da Justiça Federal, o Estado, por meio da Gestão Estadual do SUS, também deve comprovar a realização de estudos para ampliação da rede local de atendimento em oncologia, no prazo de 30 dias.
Desespero nas filas
A decisão da última segunda-feira (22) aponta a persistência de diversas falhas no atendimento aos pacientes do HNL, como a completa ausência de fluxo para monitoramento e acompanhamento dos pacientes, que eram orientados a se posicionar na porta do hospital no primeiro dia do mês (muitos vindos do interior) para receber senhas em número reduzido. Os que não tinham sucesso, tinham de voltar apenas no mês seguinte, sem qualquer protocolo ou registro para composição de fila de demanda reprimida. Além disso, foram identificados nomes e números de cartão do SUS de cerca de 200 pacientes em situação desesperadora, que não tiveram acesso sequer à marcação de consulta.
“O Município de João Pessoa pouco avançou no atendimento desses enfermos, não tendo informado nem comprovado, até agora, providências que tenha adotado no sentido de assegurar a assistência oncológica dentro do prazo previsto na Lei n. 12.732/12, mesmo decorridos quase seis meses desde o encaminhamento das listas de pacientes que aguardavam atendimento em fevereiro de 2024”, destaca trecho da decisão, contendo relato das investigações promovidas pelo MPF.
A controladoria geral da União – CGU, em recente relatório onde aponta graves irregularidades detectadas no funcionamento do HNL, apontou um elevado índice de óbito de pacientes oncológicos, em comparação com outros Estados do Nordeste. Também o Conselho Regional de Medicina, desde 2020, já havia apontado sinais de elevação de tais índices. Por sua vez, a SES/PB, em recente avaliação da sua rede de atenção oncológica, constatou que há uma subnotificação dos óbitos no Estado em virtude do fato de os pacientes sequer conseguirem obter diagnóstico da doença, a qual avança sem tratamento, desaguando inevitavelmente no resultado morte.
“Quem tem um plano de saúde inicia quase imediatamente um tratamento de câncer enquanto no SUS os pacientes devem esperar até 60 dias. O MPF está, então, fazendo um apelo aos gestores para que se unam visando cumprir a decisão judicial e ao menos garantam o respeito a esse prazo”, disse o procurador da República Guilherme Ferraz.