Após serem esquecidos por séculos, pela primeira vez as populações quilombolas responderam ao Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, escrevendo mais um capítulo de suas histórias, agora com outras atividades diferentes das realizadas à época do Quilombo de Palmares, há cinco séculos inscrita nas páginas do Brasil, mas ainda com as mesmas demandas de terem reconhecidos seus direitos em áreas como saúde e educação.
Na Paraíba, moradores do quilombo Paratibe reavivam a esperança de, ao responder o questionário, garantir melhores condições para seus descendentes. “Muitas vezes eu já ouvi gente ignorar nossa história. Aí eu fico só olhando, porque não vou ficar combatendo ninguém. Mas queria uma melhora pros meus netos, bisnetos. Não é vergonha ser quilombola”, diz Maria Isabel Ramos da Silva, quilombola de 65 anos, conhecida como dona Beba.
De acordo com publicação do antigo Instituto de Desenvolvimento Municipal e Estadual (Ideme), na Paraíba existem 39 comunidades quilombolas catalogadas, sendo quatro concentradas na região administrativa de João Pessoa – Paratibe, Mituaçu, Gurugi e Ipiranga. Considerado um quilombo urbano, Paratibe é localizado na zona sul de João Pessoa e reúne cerca de 180 famílias. Embora ocupada há mais de dois séculos, só foi reconhecida e teve sua terra demarcada há menos de duas décadas.
O professor de história e pesquisador Danilo Santos destaca que com a realização do censo ouvindo diretamente pela primeira vez os moradores de quilombos, a expectativa é que problemas sociais antigos sejam resolvidos, com melhoras na educação, saúde e transportes. “Antes, Paratibe vivia da pesca, da agricultura familiar e da coleta de frutos silvestres. Hoje em dia não há mais isso porque a especulação imobiliária acabou com as terras, então esses quilombolas deixaram de fazer essas práticas culturais. Mas o censo vai servir justamente para fundamentar políticas públicas de acordo com a realidade atual”, diz.
Já o recenseador do IBGE Matheus Oliveira Silva conta que nos quase seis meses em que aplicou diariamente o questionário para quilombolas pôde perceber que se trata de uma população que tem outra visão sobre o mundo. “É uma outra história de resistência ao longo do tempo. A gente conhece a história brasileira, mas quando chega no setor quilombola em que há povos e counidades tradicionais a gente tem esse contato mais amplo com o Brasil”, explica.
A líder da Associação de Quilombo de Paratibe, Joseane Silva, conta que o censo serve, inclusive, para que os próprios quilombolas tenham mais propriedade de suas identidades. “A gente tem uma vivência, mas muitas vezes não imaginava o que era fazer parte de um quilombo. Não tinha nem noção que poderia estar em busca de melhorias para a comunidade”, falou.
Censo Demográfico
O Brasil costuma realizar o Censo Demográfico de dez em dez anos. É a única pesquisa domiciliar que vai a todos os 5.570 municípios do país. O objetivo é oferecer um retrato da população e das condições domiciliares no país. As informações obtidas subsidiam a elaboração de políticas públicas e decisões relacionadas com a alocação de recursos financeiros, além de subsidiar a elaboração de material didático, inclusive do próprio IBGE por meio do projeto IBGE Educa. O censo, que deveria ter sido realizado em 2020, foi adiado duas vezes: primeiro, causa da pandemia de covid-19 e depois por dificuldades orçamentárias.